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sábado, 31 de janeiro de 2015

É possível distinguir o erótico do pornográfico? Se isso for possível, para quê – e para quem – serve esta distinção?



No fim do século XIX, a arqueologia descobre, entre as ruínas de Pompéia, uma série de objetos e imagens sexuais explícitas pintadas em paredes de termas e outras casas. O Museu de Nápolis resolve mantê-las em área reservada, proibindo a visitação de mulheres, crianças e homens considerados “incultos”. Para nomear o conjunto de tais obras que mostravam uma grande quantidade de desenhos de cortesãs e cenas de sexo, devendo ser vistas apenas com fins científicos, o termo escolhido foi “pornografia”.

“Pornografia” é um termo originado do grego pornographos, significando “escritos sobre prostitutas”. Já a palavra “erotismo” é derivada de Eros, deus grego do amor e paixão carnais, e surge apenas no século XIX.

Os dois termos pretendem descrever um conjunto de sensações, sentimentos, conceitos e atitudes relacionadas principalmente à temática sexual e suas figurações, mas, entre eles, existe uma grande diferença implícita. A idéia de que é possível (e desejável) distinguir o “pornográfico” do “erótico”, visa uma separação sutil, porém persistente no imaginário ocidental. Conforme visto, a própria origem dos termos demonstra esta diferenciação. A pornografia é comumente considerada como aquilo que transforma o sexo em produto de consumo, está ligada ao mundo da prostituição e visa a excitação dos apetites mais “desregrados” e “imorais”. Evoca um conceito mais carnal, sensorial, comercial e “explícito”. Erotismo, em contrapartida, é algo tendendo ao sublime, espiritualizado, delicado, sentimental e sugestivo.
Insinua-se nesta distinção uma tentativa de separação e diferenciação qualitativa entre grupos distintos de atitudes e conceitos para com o sexo e suas representações. Alguns grupos “deleitam-se” no erotismo, enquanto outros “chafurdam” na pornografia. Assim, como afirmou o escritor francês Alain Robbe-Grillet: a pornografia é o erotismo dos outros. Nesta frase pode-se notar a crítica à idéia de uma concepção elitista na qual “a minha vida sexual” é saudável, segura, bela, repleta de sentimentos e “verdadeiramente” prazerosa – erótica; enquanto “a dos outros” é promíscua, pervertida, animalesca, vulgar, grotesca e frustrante, ou seja, pornográfica.

A pornografia então encarna o sexo ilegítimo, perigoso e desestruturador dos valores estabelecidos de quem faz tal julgamento. O erotismo em contrapartida é a representação da sexualidade limpa, legal, e organizada, pois já foi aceita por grupos socialmente reconhecidos com poder de fazer valer seus ideais e sentenças. Sendo erotismo e pornografia os dois lados de uma mesma moeda de prazeres, desejos e comportamentos, a pornografia é sempre o lado maldito.
A pornografia está para o erotismo, assim como as “perversões sexuais” estão para a sexualidade “sadia”. O debate sobre o que é uma ou outra ou quais obras se encaixam em cada rótulo pode ser visto como uma “luta simbólica” pela legitimidade das representações e práticas sexuais. Mas existe também uma outra variável nesta questão: em uma sociedade onde qualquer coisa pode tornar-se produto para consumo, a diferenciação entre grupos sociais se faz inclusive nas bases dos “gostos” sexuais. Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o processo de dominação social ocorre não apenas por meios econômicos ou políticos, mas também simbólicos.

A luta por classificar e separar o erótico do pornográfico é a batalha por legitimar um poder estabelecido através da distinção social, ou seja, através da hierarquização das diferenças sociais. A pornografia então não é apenas o sexo dos outros, mas também é associada ao sexo das classes populares, das massas e de todos aqueles que não possuem “capital cultural”, não pertencendo às esferas que mantêm o monopólio do chamado gosto legítimo. Assim, “pornografia” é também o nome dado ao erotismo dos “pobres”: pobres “de alma, de cultura” ou de dinheiro. Talvez por isso que mesmo sendo uma indústria milionária, tanto em sua face legal ou não, o mercado pornô é ainda constantemente associado à idéia de penúria material e miséria moral, caracterizando nestes termos tanto quem produz como quem consome.

Ora, quando se fala de erotismo, enaltecendo neste discurso a sutileza das emoções e a capacidade de reflexão que ela provoca, ao mesmo tempo condenando a “grosseira” objetividade da pornografia ou a sua simplória intenção de vender prazer explícito e imediato, se esquece que ambas representações são também mercadorias com finalidade de lucro e mercados próprios. A tragédia da pornografia é pertencer ao ramo popular, barato nos preços e por isso associado simbolicamente a camadas sociais de menor poder.

Assim, percebe-se o quanto os conceitos de “erotismo” e “pornografia”, ou sexualidade “sadia” e “perversa”, são criações de grupos “estabelecidos” em certas estruturas de poder que manejam estes ideais a fim de manterem estas posições, valorizando suas diferenças frente a grupos que possam ameaçá-los não apenas na hierarquia social, mas também na coesão de seus valores. Não é por acaso, então, que tentativas desesperadas de separar o lícito do proibido quanto a representações da sexualidade provoquem discursos tão exaltados de ambos os lados e o termo “pornografia” revele-se uma constante histórica quando se deseja de alguma forma deslegitimar a representação da sexualidade de camadas subalternas socialmente.

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