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quinta-feira, 28 de abril de 2016

Rivotril


É espantoso. Boa parte das pessoas que conheço, incluindo a mim mesmo, toma algum tarja preta. No meu caso, é fruto de meu estilo de vida. Trabalho de madrugada, quando as ideias saem melhor. Não sei por que, mas o horário noturno é comum a muitos escritores. Quando escrevo novela, os personagens criam um diálogo incessante dentro da minha cabeça. Em Amor à vida, novela exibida pela TV Globo, quando terminava o capítulo, continuava “falando” com os personagens. Às vezes às 4, às 5 da manhã, voltava ao computador para enviar recados a meus colaboradores. Consultei-me com um psiquiatra sobre a questão do sono.
– Vamos diminuir sua ansiedade – ele propôs.
Tentei alguns remédios. Fiquei com o Rivotril, que tomo desde então. Ele me relaxa, fico pronto para dormir. Uso comprimidos. Nunca aumentei a dose: meio por noite.
– Já está na hora do desmame – o psiquiatra alertou.
Desmame é parar com o uso. Eu disse que sim. Mas pedi um prazo. Enrolei um tempo. Ele deu um ultimato. Mudei de psiquiatra e comecei tudo de novo.
Mesmo assim, já sei que é melhor largar. É duro dizer a mim mesmo:
– Virou vício.
Tenho um amigo que toma Rivotril pelo motivo oposto. Está desempregado há uns três anos. Quer estar calmo para as eventuais entrevistas de trabalho. Aluguel atrasado. Come na casa de parentes.
– Mas o Rivotril está em dia! – disse.
Para minha surpresa, descobri pessoas que tomam Rivotril para ficar acordadas. Juro. Uma amiga explicou:
– Sinto muita angústia, e o remédio me ajuda a ficar melhor.
Óbvio. Qualquer calmante, como diz o próprio nome, nos acalma. No meu modo de ver, porém, as angústias são necessárias na vida. Nunca tomei qualquer outro tipo de droga para não fugir das minhas dúvidas, questões emocionais. Claro que há momentos difíceis. O calmante nos coloca em um estado de suspensão. Na esperança de que, com o tempo, cresçam as forças para enfrentar os problemas. Há quem prefira umas doses de uísque. Os que fumam maconha e passam a vida num eterno sorriso. O Rivotril é um remédio, receitado por psiquiatras. Mas em tese não há tanta diferença. A questão é que acalma, mas em si não resolve.
Não entendo como há uma legião de pessoas que tomam Rivotril diariamente, para ficar acordadas! Às vezes eu tomei de noite e fiquei conversando. Enquanto esperava o efeito (demora uns 40 minutos), me tornei lento. Meu interlocutor dizia algo. Eu o olhava durante algum tempo. Pensava. Respondia, com toda a profundidade.
– É...
Ele falava mais e mais, sobre seus planos profissionais, propunha montar uma peça teatral e eu sabiamente continuava.
– É...
Mais uma vez ele se explicava. Absolutamente calmo, navegando nas ondas cerebrais, eu insistia.
– É...
Em certo momento a visita me encarava, séria.
– O Rivotril bateu?
– É...
Ia embora. Costumo tomar leite com canela ao dormir. Entrava no banheiro.Escovava os dentes. Mas então lembrava do leite. E me enchia de canela. Deitava. Levantava, pois tinha esquecido a placa para colocar nos dentes. Ou seja, ficava literalmente zoado. Parei de bater papo depois do meio comprimido. Melhor tentar ler um livro até bater o sono. Só que eu me pergunto: como tantas pessoas conseguem passar o dia à base de Rivotril? Um amigo perdeu uma oportunidade importante, fundamental para sua carreira. Tomava, em gotas, outra versão do remédio. Aumentou as gotas. Passou para a colher. Quando deu por si, estava tomando meio vidro por dia.
– Você pode sofrer um ataque cardíaco!
– É?
Insisti. O remédio acabou, ele passou três dias se contorcendo. Conversei mais uma vez.
– Não se pode tirar de uma hora para outra. Tem de ser aos poucos.
Finalmente voltou ao psiquiatra. Está tomando outro remédio, para com o tempo o organismo deixar de exigir o Rivotril. Depois, é claro, terá de deixar esse também. Mas a dose já é muito menor. Outro dia veio me visitar. É outra pessoa. Os olhos estão brilhantes, sorri com facilidade. Antes parecia amortecido. Conversamos durante uma hora sobre política, claro, o assunto do momento.
Se eu assumo, é porque não sou contra o uso de indutores de sono e calmantes. Mas há uma pergunta a fazer. Por que a vida de hoje provoca tanta ansiedade? Por que uma legião de pessoas prefere amortecer os sentimentos? Não é o caso de mudar a vida? Ou ter um ideal para transformar o mundo?
Walcir Carrasco

Um comentário:

  1. Gotinhas de rivotril em um pedaço generoso de goiabada é a glória. Amo rivotril ele me tira a sensação de viver como quem carrega pedras. Não sei onde tudo isso vai parar, não sei onde eu vou parar. Por acaso escrevo agora sobre o efeito dele. Não tomo todos os dias desobedecendo a ordem do meu medico, mas tem dias que a vida se torna insustentavel e é ai que ele entra com seu poder diabolico de acordar todos os meus anjos.O grande problema do rivotril é que ele afeta a memoria,mas isso não é um problema para mim. Eu não seu esquecer . . . Se essa medicação me ajuda a esquecer de todas as descontinuidades que a vida me submeteu eu agradeço cheio de amor maternal. Vou ficando por aqui porque me perdi nas palavras. Bom final de semana e que seu amor tenha sempre o formado de ação. Bom dia , bom sono.É que o AMOR seja sempre um evento atual, ainda que seja através do rivotril. Sem amor só há loucura. Até quando? Não sei dizer

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